segunda-feira, 25 de outubro de 2010

imagem, sexo, vivo, surpresa, fulgor

As imagens sabem que têm de caminhar para nós com o seu sexo de ler. Sem ele, são propriamente sem texto. Sabem? Sim, sabem. Utilizamos pouco o nosso sexo próprio para fazer. Utilizamo-lo, sobretudo, para sentir e sondar. Como crianças em perpétuo crscimento, nunca estáveis numa única imagem. O que sentimos fisicamente com o sexo que temos, o que as imagens vêm procurar em nós,
não é o sexo que praticamos,
é a vibração pelo vivo e pelo novo. Chamei-lhe fulgor porque é assim que sinto.

[...]

Falo de fulgor porque a falta de claridade é essencial. A escuridão é propícia ao medo, ao pensamento e ao projectar. O descoberto e o escondido confundem-se, trocam de rosto. Entram em simetria. Quando o meu há é todo o há que existe.

Viver com as imagens é a nossa arte de viver. Reparem, sem o seu fulgor não saímos da simetria. E nesta nada vemos. Vamos presumir uma saída. Veremos o que o nosso sexo sonha. E este sonha apenas a parte da simetria que lhe cabe. A outra parte pertence à imagem que vai tomando vida. Avançamos para ela e ela avança sobre nós. Esse movimento torna-nos obsessivos e inconstantes. Não podemos viver sem ele, mas a imagem não se mantém fixa. O fulgor desloca-se. Não podemos desejar o novo e querê-lo sem surpresa. Começa a irradiar do sexo e alteia-se. Do aqui evolui, difunde-se por todo o há que possamos admitir.

O desejo é escuro, diz Rimbaud.
Sujo, queres tu dizer, replica Aossê.
O desejo é divino, diz convictamente Hölderlin.

Dickinson pede silêncio. Que os homens tagarelas se calem porque, na extrema do jardim, emerge, ou parece emergir, uma nova imagem. Em seguida, o futuro corre para nós a grende velocidade. Há partes que se entendem, e partes aparentemente sem qualquer sentido. Uns lutam, outros acolhem. Com ou sem pacto, não creio que as imagens nos queiram bem (nem, aliás, mal) ou nos reconheçam. Não são aladinos. Mas caminhos (que eu sempre vivi como jubilosos e que, para outros, são angustiantes e tormentosos) que nos fazem ter corpo, este tempo, este poema na voz. O grão, entre todos reconhecível, da nossa escrita. Os poemas que oferecemos uns aos outros. O desejo de perfeição e de completude que lemos no que escreveram. [...]

A imagem surge no fundo do jardim.
É quase só negro, no início da perca de simetria.


Maria Gabriela Llansol, Onde Vais, Drama-Poesia?, p. 33.

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